Do limite do cansaço

Um dia ela cansou. Cansou da vida, dos problemas, das traições e mentiras, do chefe chato, dos problemas alheios, de fingir gostos e desgostos.

Então, ela correu. Não a pé, mas de carro, para longe de tudo e todos que a lembrassem de um passado – sim, passado – que ela queria muito esquecer.

Sem gasolina, parou. E pensou: é aqui. Aqui era o lugar do recomeço, do renascer, do ressurgir das cinzas, no melhor estilo Fênix. Não conhecia ninguém nem tampouco a conheciam. Pensou mais. É agora. Desceu do carro, puxou assunto com o frentista – porque não era burra e gasolina no fim é sinônimo de posto. Soube que ali mesmo precisavam de uma secretária. Nunca fôra secretária, tinha sido chefe a vida toda. Pois é, outro recomeço. Era um sinal.

Apesar da falta de referências, conseguiu emprego. Começaria no dia seguinte.

Procurou um lugar para descansar e encontrou uma pensão. Apresentou-se e foi para o quarto. Simples, com uma cama, uma pequena tv e um roupeiro. Vazio. Não tinha mala, apenas algumas roupas que sempre carregava no carro. Ajeitou-as no roupeiro e tomou um banho.. A água que corria por seu corpo levou mais um pouco daquele passado que já parecia tão distante. Limpa, deitou-se e ligou a tv, bem baixinho. Começou a lembrar-se de todos, de tudo que deixara para trás. Sentiu-se triste, chorou… e adormeceu.

Lá pelas 7 horas, o despertador tocou. Olhou ao redor, assustada. Nem tv nem roupeiro quase vazio. Viu-se de volta ao passado. A mesma cama, o mesmo ronronar irritante do gato, a mesma agenda a cumprir, os mesmos indivíduos a enfrentar. Sentou-se à beira da cama, suspirou e colocou a cabeça entre as mãos, quase no colo. Nesta posição quase fetal, de volta a sua origem uterina, entendeu: tudo foi um simples – mas maravilhoso – sonho.

(escrito em um bloquinho, em 20 de junho de 2010)

Sobre o futuro (ou o presente?) do jornal

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“Um bom jornal é a nação falando com ela mesma”, diz a célebre frase do ganhador do Pulitzer, Arthur Miller. A chamada mídia convencional foi tomada por uma crise de identidade da qual não se sabe como ou quando sairá. O jornalismo mudou. O quarto poder mudou. (…) Hugh Hewitt, colunista do Daily Standart (…) define que vivemos na era “o público é o editor”. Ressalta que a história da blogosfera é a resposta de leitores que querem mais do que oferecem a televisão, o rádio e o jornal.”(GIARDELLI, Gil, 2012, p.112)

 

On the rocks

Whisky. Do black.
Johnny, não. Quero Jack.
Ela riu da própria rima, pegou o copo que o garçom alcançou, mas não saiu do balcão. Ficaria ali, bebendo, vendo a noite passar.
Dois ou três puxaram assunto, que ela nem ouviu. Desistiram, pois viram que o olhar daquela bela garota – aquele triste olhar – só tinha atenção para os dois cubos de gelo que derretiam no malte envelhecido em barril.
Enquanto os cubos se esvaiam, ela lembrava de ver também sua alegria e sua vontade de viver perderem forma, conteúdo. Fizera de tudo para ser mais feliz, mas não tivera êxito.
Foi ela mesma, mudou, fez de conta, sorriu, gritou, desesperou. Mas nada foi o suficiente para prender a atenção – quem diria, então, o amor? – daquele homem.
Um dia ele chegou e arrebatou um coração machucado. Agora, parte como um tornado, deixando um coração devastado, acabado. E por que? Porque encontrou outra para amar. Ah, essa pessoa, pensa ela, antes de pedir outra dose. A outra é tão bela e alegre quanto ela fora um dia. Assim, ela sabe: em breve, encontrará companhia.
Uma ex-bela apaixonada, que pode não gostar de whisky, mas que certamente terá olhos só para o gelo que derrete em um copo de bar.

(escrito em bloquinho em 5 de abril de 2011)