O que é uma boa aula?, por Leandro Karnal

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Por motivos óbvios, eu tenho me interessado bastante por textos que falem sobre docência, sobre a vida em sala de aula, relacionamento com o aluno. E adorei esse texto do Leandro Karnal que saiu na Folha. Por isso, ele está aqui!


O que é uma boa aula?

Entender que o aluno é o objetivo da minha aula e não eu e ser honesto com eles e comigo

O tema é delicado. Primeiro, imaginam leitores, com razão, que o autor da crônica esteja dizendo que dá boas aulas e que pode indicar uma receita, o que seria uma vaidade. Também há a possibilidade de um ex-aluno, atingido por uma grosseria minha ou por uma incompetência profissional, questionar quem seria eu para falar sobre boas aulas. Acredito que eu seja uma pessoa que pode falar sobre uma boa aula porque já dei aulas muito ruins. Todo profissional sabe que houve dias bons, médios e terríveis na sua ação. Então, determine-se à partida: sou um professor que, por erros (muitos) e acertos (alguns), posso discutir o tema.
Eu era muito jovem quando tive minha primeira turma. Completara 15 anos e, juntamente com minha irmã, aceitamos turmas de catequese. Eu estava no ensino médio e o padre Benno Brod SJ, talvez sem opção de mão de obra mais qualificada, nos entregou um grupo para preparar para a primeira eucaristia. Lembro-me, à distância de 39 anos, ser um péssimo catequista. Era entusiasmado, utilizava recursos didáticos, mas era muito ruim. Enfatizava teologia, normas, regras e pouco da beleza cristã dos ensinamentos. Primeira lição aprendida: muito cuidado com a adequação da mensagem para o público da aula. A primeira preocupação do bom professor: o que meus alunos conseguem captar e até que ponto pretendo expandir a capacidade de compreensão da minha turma?
Um ano antes de me formar na graduação, comecei a dar aulas numa escola estadual em Dois Irmãos (RS). Agora, eu lecionava História e havia um conteúdo específico mais do que uma atitude de vida. Eram alunos de ascendência alemã na sua maioria, muitos deles trabalhadores da indústria de calçados ou do comércio local. Já havia crescido uma percepção: com duas aulas semanais no noturno, cortei o programa pela metade. Queria falar do mundo contemporâneo e não das cidades-Estado da Suméria. A ideia era boa: diminuir quantidade para enfatizar qualidade. Uma boa aula não procura traduzir todo o mundo, mas possibilita pensar algo do mundo. O que invalida uma aula é tentar passar muita coisa ou, mesmo sendo pouca, perder o foco no fim último de toda educação: o aluno.
Tornei-me professor do ensino superior aos 23 anos. A disciplina chama-se História do Pensamento Humano, na mesma universidade na qual obtivera minha graduação, a Unisinos. As turmas eram grandes, eu muito jovem. Sentia-me inseguro. Passei a me vestir como pessoa mais velha, com chapéus e casacões. Provavelmente, ensinava mais do que eu sabia: o entusiasmo era superior ao conhecimento. Foram anos de aprendizagem sobre lecionar para dezenas de pessoas por um período longo.
Já em São Paulo e fazendo pós-graduação, dei aula em diversos locais. Uma quinta série (hoje um sexto ano) em um colégio católico, turmas de supletivo de ensino médio noturno, turmas regulares em um colégio privado de elite e faculdades privadas. Cheguei a dar 64 aulas semanais. Foi uma década de aprendizado e de exaustão.
Acho que o erro maior das minhas aulas de então era ser, talvez, o aluno mais velho. Muitas vezes, fui o professor que tenta demonstrar, para impressionar suas turmas, como tudo é fácil e tranquilo. Isso talvez seja como um lutador faixa-marrom conversando com um iniciante faixa-branca. Crescia o conhecimento, mas faltava-me a maturidade pessoal para enfrentar as muitas situações em que a psicologia seria mais útil do que a didática.
Olhando com distância, vejo que minhas aulas, por vezes, tinham bons recursos de criatividade. Tocava a Marselhesa para os alunos aprenderem a Revolução Francesa no ensino médio e fazia chá em aula para falar do Império Britânico e sua expansão sobre a Índia. Alguns alunos dizem que lembram dessas coisas anos depois. Criatividade é importante para uma aula, desde que seu objetivo não seja distrair ou divertir alunos, porém ensinar por meio do lúdico. Errei e acertei bastante nesse campo.
Terminei o doutorado e fui aprovado em concurso para a Unicamp. Era já mais velho, tinha mais conhecimento e estava lecionando temas específicos e acadêmicos. Mais tranquilo, aprendi a olhar bem para o rosto dos meus alunos. Ali, na face deles, estava a mensagem total: a aula está boa, está chata, está difícil… Levei anos para descobrir o rosto do meu aluno. Talvez seja a coisa mais importante para uma boa aula.
Há milhares de coisas a dizer. Sintetizaria assim: pensar no que eu vou trabalhar em uma aula (o conceito, a prática, o conteúdo) e fazê-lo. Adequar a linguagem ao público-alvo. Observar muito o rosto dos alunos e suas reações. Ser criativo sem fazer do lúdico o único objetivo. Trabalhar com seriedade e nunca me comportar como se fosse apenas o aluno mais avançado. Ter autoridade sem ser autoritário. Entender que o aluno é o objetivo da minha aula e não eu. Ser honesto com eles e comigo. Ser compreensivo com as variantes humanas. Preparar-me para bem preparar alunos. Ser humilde com os próprios erros e compassivo com os erros de quem está aprendendo. Acima de tudo, ser paciente!
Sim, há muito mais, mas já é um bom começo. O governo Temer vai me permitir aperfeiçoar essa técnica por mais décadas além do que eu imaginava. Espero ser um melhor professor no futuro. Boa semana a todos!

Sobre o sistema prisional e a ressocializaçãos dos presos

Recebi, esses dias, a news do Canal Meio, e este tópico me chamou a atenção:

O ex-goleiro Bruno, condenado a 22 anos de prisão, carrega as chaves da própria cela e faz segurança em presídio de Minas Gerais. Em entrevista à Veja, Bruno, que já passou por Bangu e por outros cárceres convencionais, conta que, no presídio mineiro, fez cursos de soldador, pedreiro e jardineiro. Diz que, ali, recuperou a dignidade.

Antes de começar, já venho com dois poréns:

  • Eu não quero discutir aqui qual é o “grau de bandidagem” dele, que crime ele cometeu. Ele vai servir só como um exemplo.
  • Eu também não quero discutir o fato de a notícia ser da Veja. A Veja mente e todos os outros veículos mentem. Cada um defende a sua verdade. O problema da Veja é outro.

Dito isto, vamos ao que eu efetivamente quero dizer.

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As guerras entre facções e outras tantas notícias que lemos sobre o sistema carcerário brasileiro deixam extremamente claro que esse modelo não funciona. Não colabora. Não ajuda.

Há, dentro dos presídios, criminosos “de carreira”, que viveram matando-roubando-estuprando, e estes podem não mudar de vida mesmo que as condições do cumprimento da pena colaborem.

Mas há, também, aqueles que cometeram um crime (não estou, aqui, analisando o tipo de crime) e foram, digamos, condenados a cinco anos de reclusão. Qual é a chance dessa pessoa sair “melhor” do presídio?  Essa pessoa pode não se render ao “crime de carreira”, mas ela entra lá e vai depender da ajuda de quem efetivamente manda lá dentro – e isso a gente sabe que não é a polícia. Essa pessoa vai dever favores para sobreviver naquela selva que é o presídio. Então, ela sai. Não se tornou “de carreira”, mas segue devendo favores pra quem tá lá dentro. E vai ter que ajudar seu protetor, mesmo estando livre, com a pena cumprida. Essa pessoa seguirá presa à sua pena.

Por isso que eu não acredito no sistema prisional em seu modelo atual. Pelo menos em sua maioria. Porque existem, sim, projetos e presídios que dão oportunidades. Que fazem mais do que simplesmente colocar em reclusão. Algo tipo isso:

https://www.facebook.com/plugins/post.php?href=https%3A%2F%2Fwww.facebook.com%2FGovernodoRS%2Fposts%2F1634635466563607&width=500

Trabalho externo. Trabalho dentro do presídio. Qualificação. Se queremos que as reclusões valham a pena, precisamos acreditar na reinserção social. Cada caso é um caso, mas não podemos apenas desistir das pessoas. Muitas vezes eu digo que já desisti da humanidade, mas isso é brincadeira. Ainda acredito que há como mudar.

Nossa, agora até lembrei que há também criminosos de carreira ocupando altos cargos em nosso governo. Mas isso é assunto pra outro post.

Da semana: coisas que li e curti [1]

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Assisti Stranger Things e adorei. Já quero 2017 e a nova temporada, principalmente depois desse texto que questiona várias coisas e lança uma nova visão sobre o mundo invertido: seria esse espaço o futuro?

Essa notícia não é daquelas que vai mudar o mundo, óbvio. Mas é das que vai mexer com seu próprio mundo interno. A saída de Pedro Bial e a entrada de Tiago Leifert no comando do BBB não mudará a vida de ninguém (pelo menos, espero!) mas vai mudar a forma como um programa que ainda está consolidado na grade da maior emissora do País – e que, apesar da queda da tradicional audiência “tv ligada”, a qual é mencionada ano após ano apesar de todos sabermos que ela sozinha não diz mais muita coisa, gera um buzz gigantesco nas redes sociais (lembremos das investigações da vida dos participantes nas redes sociais e da galera shipando casal antes mesmo do programa entrar no ar, além das maratonas de votos, dos memes, dos bordões que são repetidos à exaustão). E fica a pergunta: como serão as eliminações sem a eterna tentativa de entender os textões reflexivos-emotivos do Bial?

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Mês passado, a iminência de entregar meu projeto de pesquisa e um evento sobre estudos de recepção me fizeram ter um novo olhar sobre a tese. Por que, ao invés de analisar apenas telenovela, não focar em narrativas ficcionais de tv? Assim, poderia adentrar no mundo das séries e das experimentações que as emissoras (no meu caso, a Rede Globo) vem fazendo para atingir a um público que cada vez menos fica efetivamente sentado na frente da telinha e cada vez mais transforma o Twitter nesse grande sofá. Achei que a nova série, Justiça, seria uma boa escolha e, depois da estreia e desse texto do Nilson Xavier, vi que acertei. 🙂

Quando eu sai da agência para me dedicar ao Doutorado, foi porque eu teria o suporte – emocional e financeiro, claro! – de alguém que me ama, que acredita nos meus objetivos e que vê esse meu tempo “em casa” como um investimento. E o fato de eu não estar numa empresa não significa que eu não trabalhe, os frilas e a sala de aula estão aí pra provar isso. Não foi uma questão de felicidade, foi de foco e prioridades. Eu era feliz na agência, assim como sou feliz misturando tese-artigos-aulas-docência-mídia-conteúdo-marido-casa-cachorros. Antes eu já fazia tudo isso, agora apenas faço diferente. E não vejo essa mudança – que fará um ano daqui uns dias – como “encontrar o sucesso no pedido de demissão”.  Sucesso eu tinha lá, sucesso eu tenho aqui. Pensei nisso a partir desse texto da Yasmin Gomes. Vale a leitura!