Enquanto isso, numa faculdade de jornalismo perto de você…

Tô aqui, quietinha no meu cantinho, fazendo meus relatórios do frila… Paro porque o Facebook travou (capaaaaaz, isso nunca acontece…) e vou dar uma olhada nos emails da Compós (Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação), que ficam numa pasta separada. Eis que me deparo com a nota abaixo, que tive que reproduzir aqui exatamente por não concordar com o que ela relata. E achar que a atitude do diretor da rádio abre precedentes para algo que eu prefiro nem pensar.

censura

Lembro, dos tempos de faculdade, que os professores nos motivavam a pensar, fugindo da simples reprodução de conceitos e ideias. A sair da superfície e mergulhar nas histórias. A ouvir os dois lados. Então, num momento em que parte da mídia pode, fazendo-se de isenta, ter um lado (mesmo que não o assuma), por que uma rádio pública não pode questionar, não pode mostrar outras ideias, outros pontos de vista sobre o mesmo fato? Ou seja, não pode por os alunos pra pensar e discutir?

Assim, segue o que me motivou essa reflexão:

 

NOTA DE REPÚDIO A CENSURA NA RÁDIO DA UFRGS

Nós abaixo-assinados, membros da Comissão de Graduação e professores do curso de Jornalismo da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), expressamos publicamente nosso repúdio à censura a programa jornalístico ocorrida hoje, 8 de setembro, na Rádio da Universidade. O programa Entrevista Coletiva, parte da disciplina de Radiojornalismo 3, é veiculado semanalmente na Rádio da UFRGS às 11h de quinta-feira. Nesta manhã, após concluir a gravação da entrevista com o cientista político Benedito Tadeu César, os alunos e a professora da disciplina, Sandra de Deus, foram informados pelo diretor da Rádio, professor André Prytoluk, que o programa estava vetado e não iria ao ar. Diante do entrevistado, da professora e dos alunos, o diretor teria justificado o veto com a alegação de que uma rádio universitária deve ser “chapa-branca” e de que a lei proibiria menções à palavra “golpe”. Mais tarde, embasou sua decisão na lei eleitoral 9.504, de 1997.

Diante do exposto, declaramos que:

1) A entrevista realizada pelos alunos não fere a Lei Eleitoral.
2) A entrevista foi realizada sob supervisão de uma professora com experiência na área e ex-diretora da própria Rádio da Universidade, portanto ciente das prerrogativas legais.
3) Uma rádio universitária tem também caráter pedagógico, e seus programas jornalísticos estão relacionados à formação de jornalistas. Nossos alunos são responsáveis no respeito às leis e bem supervisionados no trato com a informação jornalística.
4) A função de uma rádio pública é tratar de temas de interesse público, e não defender os interesses do governo federal. Repudiamos fortemente a ideia de que uma rádio pública seja “chapa branca”.
5) Em nosso entendimento, a decisão do diretor da Rádio se configura claramente como censura.

Por fim:

1) Exigimos que o programa censurado seja veiculado em seu horário original pela Rádio da Universidade da UFRGS.
2) Solicitamos um posicionamento da Reitoria diante do caráter público da Rádio da Universidade.

O programa censurado pode ser ouvido na seguinte URL: https://soundcloud.com/luisa-rizzatti/entrevista-coletiva-com-benedito-tadeu-cesar.
Sean Hagen – coordenador da Comgrad/Jor
Marcia Benetti – coordenadora substituta da Comgrad/Jor
Ana Taís Portanova Barros – professora e membro da Comgrad/Jor
Cida Golin – professora e membro da Comgrad/Jor
Elias Santos – aluno e membro da Comgrad/Jor
Ilza Girardi – professora e membro da Comgrad/Jor
Basilio Sartor – professor
Luciana Mielniczuk – professora
Marcelo Träsel – professor
Sandra de Deus – professora

Porto Alegre, 8 de setembro de 2016.

[alerta de textão] Saia da internet e vá ler um livro

Ai, gente, isso cansa! Cansa ter que explicar, sempre, que fazer uma coisa não significa não fazer outra. Daí vem a Barbara e me manda esse tweet:

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Camiseta close rrado. (E a descrição?) por @celsodossi

Pedirei ajuda à platéia e aos universitários para entender esse sintoma social que estamos vivendo: se eu gosto de novela, é porque sou burra/alienada e não leio um livro. Se eu sou acadêmica, é porque sou “erudita” e não posso curtir coisas do popular. Passar o dia na internet pesquisando me faz mais burra do que pesquisar nos livros.

Apenas parem!

Mais cedo, tinha lido esse texto do Ticiano Osório para a Zero Hora (“olha lá, ela tá usando texto da ZH, essa coxinha pro-Temer!”), no qual ele destaca:

Tem sido um exercício diário de tolerância abrir o Facebook e ler tantos posts de rotulagem ou desqualificação, de desrespeito ou de ódio. […] Não existe meio-termo, não existe equilíbrio, não existe o cinza e sua riqueza de variações, a civilidade de suas variações.

Não há como ser um só, ter um lado só. Somos fragmentados, somos construídos em contextos diversos, convivendo em ambientes múltiplos. Como diz Hall, o sujeito pós-moderno não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. Ela é móvel, formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados nos sistemas culturais em nosso entorno. Assim, temos diferentes identidades em diferentes momentos. E elas não são necessariamente unificadas em um “eu coerente”. Elas são contraditórias e nos jogam pra diferentes posições, deslocando nossas identificações.

Aceitar que nem todos pensam como nós e que nem sempre o que parece efetivamente é pode não ser fácil, pode exigir muito de nós enquanto sujeitos constituídos, mas é possível. Basta derrubar as certezas, as verdades que acreditamos, e dar uma chance às verdades do outro.

A partir de Bakhtin, lembro que a comunicação verbal entre duas pessoas (EU e TU) não se finaliza em um ato passivo de percepção e compreensão por parte do ouvinte. Quando alguém fala, o outro recebe e compreende a significação do discurso e tem em relação a ele uma atitude responsiva ativa, ou seja, ele concorda, executa e responde – ou não. Inclusive, explicitei um pouco mais sobre essa relação dialógica de forma mais simplificada aqui e, com mais complexidade, aqui.

Entendam, por favor, que nós podemos achar o Wagner Moura um baita ator e maratonar Narcos sem concordar com o que ele fala sobre a política nacional. Que a gente pode assistir os vídeos do Porta dos Fundos sem concordar com as falas do Gregório ou do Tabet. E que a gente pode, sim, ser super fã de uma banda de metal e se divertir ouvindo Raça Negra num churrasco regado à cerveja (ou sem cerveja, também, vai saber!). Viver com essas diferenças não vai destruir nossa identidade, não nos fará menos ou mais do que ninguém. Apenas nos fará sujeitos donos do próprio nariz. Simples assim!